quarta-feira, 29 de setembro de 2021

O Cheirinho


Uma vela acende-se no interior de uma vasilha de louça, por cima deposita-se a tarte de cheirinho. A chama da vela lambe o interior da louça fazendo derreter a cera do cheirinho que está por cima. 

Um aroma suave, progressivo, volumoso, inebriante, vai-se libertando da cera à medida que esta se derrete.

As pálpebras recolhem-se, a visão diminui e o olfato cresce, intensifica-se e purifica-se. O aroma progressivo enche o sentido do envolvente de uma forma primeiro anónima, depois mais marcante e mesmo dominante.

O corpo contrai-se, um silêncio interrogativo faz atenção. As mãos, os braços, envolvem o corpo inquieto. Uma energia motivada e agitante eleva-se e transborda. 

Um estado de liberdade transpirante eclode pela epiderme elevando a percepção do mundo.

Pelo nariz entra uma fragrância que faz forte o sentido, faz apertados os dedos dobrados, faz rijos os braços envolventes. No peito forma-se uma força expansiva. No pensamento crescem faíscas.

Uma fantasia saltitante, agitada, feliz, sorridente, imagina uma interação de olhares, de sentidos cúmplices.

Um abraço aproxima, envolve, toca, faz adivinhar, dispara, enche, desatina e aquieta. 

Um desejo explode, impõe, adivinha, imagina, súplica.

Um cheirinho faz surgir uma explosão de sentidos que propaga pelo espaço uma imposição inquietante, uma imposição tranquilizadora.

Os olhos fecham-se e abre-se uma consciência expansiva



José Guilherme | 31.10.2017


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