quarta-feira, 26 de julho de 2017

Paixão


Uma força intensa propaga-se pelo corpo, eclode no interior dos músculos, rebenta no interior dos pensamentos velozes, expande-se rapidamente pelo interior do corpo e nasce pela epiderme.

É uma felicidade quando o dia a dia se desenrola num espírito de paixão.

Essa paixão que ocorre entre episódios de vida privada e se propaga pelos momentos da vida profissional.  

Essa paixão que alimenta a visão positiva, o sentido otimista, o desejo de prolongamento. A vontade de repetir, de continuar, de refazer, de insistir, de ir mais além.

A paixão que afasta o desaire, a frustração, o cansaço, o sentido de inquietude e de ansiedade.

Quando se ausenta, quando escasseia, fica tudo difícil, fica tudo num nunca mais terminar.

Sem paixão apela-se à paciência, à persistência intolerável. O tempo torna-se arrastado e demora a chegar lá.

Como criar de novo a paixão? Como voltar ao animo feliz, ingénuo, expansivo.

Faz falta essa paixão locomotora, esse gerador de criatividade agitada.

É preciso parar, olhar para muitos lados, insistir, ferrar os olhos nos sentidos.

O que se passa? Porra, onde está o raio da paixão. Exige-se que venha, depressa, com postura e volume.

Sem paixão tudo fica com um sentido desfocado, provinciano, limitado, áspero.

Não passa de uma decisão! É preciso decidir que é tempo de paixão. Com coragem e persistência.

Mas é difícil a coragem e o sentido verdadeiro da intenção de decisão.



José Guilherme | 26.07.2017

Lágrima



Uma lagrima escorre pelo rosto doloroso, pelo rosto quase sem expressão, quase como um espelho fustigado pelos vapores da sauna húmida.

Noutras ocasiões, também uma lágrima escorreu pelo rosto, então brilhante, cheio de uma alegria camuflada em expressões vincadas na face esquiva.

Uma e outra lágrima, são faces da mesma moeda, ou então talvez de moedas distintas, em localizações, e tempos afastados.

A história das lágrimas arrasta-se pelo calendário longo, e às vezes apenas pelo tempo curto dos ponteiros num relógio caseiro.

Os olhos prolongam-se pela paisagem longa, tristes ou alegres, depende da face, ou das faces de moedas talvez distantes.

Uma lagrima espelha o mistério do sentido do interior do ser onde essa lágrima brota. Reflete o bom sentir, abundante, ou o sentir apertado pela ansiedade eminente.

Uma lagrima expressa a desesperança apertada dentro da consciência do interior do ser. Ou, a alegria das fronteiras dilatadas pela relatividade do sentir.

O ser sente uma necessidade desatinante de chorar, um desespero incerto de exteriorizar a angustia amarfanhante que lhe enche a alma.

O ser sente uma necessidade transbordante de chorar, uma alegria desmedida de exteriorizar a felicidade envolvente que lhe preenche a alma.

A lágrima dá lugar a um olhar prolongado que, como o feixe do farol, varre o horizonte de forma certa e infalível.



José Guilherme | 12.07.2017

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Beijo



Fecho os olhos e revivo a energia intensa que percorre todo o corpo quando os lábios se encontram devagarinho. Pequenas faíscas propagam-se pela superfície da pele.

No caldeirão da memória misturam-se químicos inebriantes.

Os lábios tocam-se devagarinho, beliscam-se, esfregam-se, trincam-se, humedecem-se, colam-se, amordaçam-se, comprimem-se, e debatem-se numa luta frenética, acelerante, engrandecedora.

Quero beijar incessantemente, com ferocidade, mas também com ternura e veludo. 

Quero encostar, quero percentir, quero beber.

Quero saborear com a língua, apalpar os dentes, interagir e partilhar.

Quero imaginar a macieza, o sabor intenso.

Quero dar um beijo.

Quero receber um beijo.

Quero usufruir do beijo.

Quero oferecer o beijo.

Quero desfrutar, quero oferecer.

Quero aquietar o sentir, fechar os olhos, imaginar o sabor, o calor, o volume, e adormecer com o sorriso tranquilo de quem dá e recebe o primeiro beijo grande….


Guilherme | 29Jun2017

Desejo intenso



Um desejo intenso e perturbador expande-se no meu interior. Uma sensação inquietante corre entre a fronteira palpável do consciente e o nevoeiro camuflante do inconsciente.

As pálpebras obscurecem momentaneamente a certeza do visível, invadindo a câmera interior com um crepitar de chama que lambe as paredes delimitadoras da arquitetura interna.

A mão fica tensa, contraída. Os dedos como que agarram uma imagem que se forma no pensamento. Os músculos contraem e apertam.

O desejo incerto, mas feroz, acutila o sentido do envolvente. O desejo rasga o sentir do corpo. A fronteira entre a consciência do interior e a presença do exterior.

O desejo desatina e doí.

O desejo morde com obstinação.

O desejo quer.

O desejo persiste e insiste.

Eu quero o desejo, eu desejo o desejo, eu angustio e sinto a falta desse desejo que às vezes não mais é desejo.

Oh desejo desejável não me deixes nesta ausência do desejo que já estou farto de desejar.
Tanto desejo, tanta ferocidade, e no fim uma angústia pela felicidade que o desejo dá.

Desejo meu deixa-me partilhar-te com aqueles que tanto desejo.

Fico extenuado de tanto desejar e tanto conter o ímpeto da partilha desse desejo intenso.

Quero desejar tanto que tanto transborde esse desejo que tanto se torne desejado esse meu desejo.

Guilherme 29Jun2017


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Apagar o lixo


Um monte de pastas, folhas acumuladas, espalhadas pelo chão, amontoadas sobre a mesa.

Os olhos saltam de uma pasta para a outra, procurando perceber onde começar.

Imagens distantes vão-se insinuando em frente dos olhos. Os documentos induzem memórias, momentos distintos confundidos, sobrepostos, disformes, tímidos, difíceis de perceber num primeiro instante.

Os olhos vagueiam hesitantes e um sentido de confusão vai conduzindo a uma visão, um filme sequencial que se projeta simultaneamente lento e rápido, numa forma tão clara quando turva.

É uma amalgama disforme, que amordaça, angustia, compromete.

Uma energia crescente acutila o desejo de esmagar, triturar, desfazer em pedaços.

Abre-se um saco grande, e agarra-se uma pasta, uma qualquer, a que está mais próxima. Abre-se e agarra-se um maço de folhas que se desfolham rapidamente e com uma convicção hesitante rasgam-se ao meio.

Rasgam-se ao meio e ao meio e ao meio, umas e mais outras, e depois novamente mais outras, e outras, e outras…

Faíscas apressadas saltitam entre as mãos, nos olhos, na memória. Uma certeza combina com uma dúvida. Mas as folhas vão-se transformando em pedaços de documentos rasgados. Amontoam-se no saco e vão-se transformando num lixo libertador.

A angustia vai-se tornando num conforto. As memórias vão-se libertando e vai sobrando novo espaço para novas memórias.

Uma sensação de libertação vai crescendo conforme os arquivos emagrecem e se transformam num lixo que pode ser deitado fora.

Não é fácil prescindir desses documentos pregados na história. Parece sempre que fazem falta, ou que vão ser precisos para alguma coisa importante. Arrastam-se, ocupam muito espaço, cultivam microrganismos e aprisionam a memória. Mantém-nos reféns duma continuidade absorvente, vigilante, limitadora.

É bom emagrecer e prescindir dessas toxinas que enchem o nosso corpo com limitações.


José Guilherme | 13.06.2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Sexo


Quero fazer amor, quero fazer sexo, quero sentir a paixão intensa, quero usufruir da empolgante magia das hormonas agitadas, o êxtase extrovertido da faísca que saltita na superfície crispada da epiderme.

Sinto o sabor perfumado dos lábios que se digladiam, das línguas que se retorcem.

As mãos deambulam e fazem pressão aqui e ali. Os cabelos esvoaçam, e acariciam.

A língua escorrega e lambe loucamente toda a pele desnuda que se atravessa.

Os peitos tenrinhos conquistam-se milimetricamente, terminados nos bicos duros que se sugam obsessivamente em busca da memória primeira, das gotas alimentícias que nascem frugais.

As mãos apertam a cintura firme e desçam pelas ancas abastadas, apalpando as nádegas carnudas, fartas, quentes, sôfregas de dentadinhas lentas e insistentes.

A língua como que despercebida, vai por aqui, vai por ali, desce mais à frente, retrocede mais um pouco, passa à esquerda, desvia-se para a direita, aproxima-se, detém-se, observa, eleva-se, mergulha, espalma-se, e lambe, lambe com prazer intenso e orgulhoso.

O corpo estremece e intensifica-se, sofrendo espasmos elétricos que se propagam e dilatam.

Os lábios, húmidos, dilatados, abrem-se e anseiam.

Os corpos ajustam-se, agarram-se, debatem-se e penetram-se.

Uma onda intensa, obsessiva, poderosa, bombeia e deflagra, lubrificando, aquecendo, enlouquecendo instantaneamente. Os corpos unidos num só, sentem uma eternidade fugidia, ficam estáticos, intensos, humildes, numa meditação eterna.


A solidez da força, da contração, da confiança, do amor próprio engrandecido, acalma e mergulha numa plenitude, numa serenidade que se propaga e pinta o arco-íris com as cores duma visão suavizada e eterna.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Fogo de artifício


Tenho intenso desejo de entrar e sentir a explosão em mil raios luminosos, a projeção da energia contida. Tenho saudades de planar pelas montanhas voluptuosas. Caminhar pelas bordas da nascente. Beber o néctar que brota da fonte onde a vida se torna cheia de sentido e de felicidade. Tenho saudades e um desejo quase doloroso de sentir nos meus dedos, nos meus lábios, nos meus dentes, os botões viçosos da fonte da vida.

Estou sozinho e longe da fonte, por isso apenas sozinho posso expandir-me, mas quando sozinho não estou, a fonte mantem-se absorvida e imperturbável, concentrada na evolução da espécie, nos afazeres muitos, nas exigências das tarefas cansativas e comprometedoras da presença.

Sinto o tormento da história, sou assombrado pelas noites compridas, pela solidão do silêncio, pela incógnita do significado, pela busca da compreensão. Os pontos de referência tornam-se movediços e os modelos seguros ficam desfocados.

O projeto do futuro feito no passado está comprometido no presente. A paixão e o prazer das tarefas do trabalho ficam expostas a sentidos adulterados cujo significado se perde em momentos de tédio, de desilusão, e até de tristeza e frustração.

Onde estou, para onde vou, para onde quero ir?!... Um silêncio desagradável, arrastado e corrosivo vai-se sucedendo num impasse sem final visível.

Procurar, procurar, procurar… encontrar aqui e ali indícios, uns fáceis, outros subtis, outros encriptados, outros difíceis, alguns muito difíceis!


Preciso de uma festa… de um carinho. Fecho os olhos e sinto uma imaginação a passar-me entre os cabelos, a roçar as minhas orelhas, a pressionar a minha nuca. Sinto um sorriso a acariciar-me o rosto, um sussurrar nos meus lábios, uma humidade deslizante a deslocar-se pelo meu peito, a mordiscar o meu botão. Sinto um sobrevoar subtil a tatear o meu sentido adormecido. Sinto um ímpeto crescente a avolumar e tornar poderoso o homem que sou. Quero explodir, quero ficar tranquilo, com um sorriso no rosto a adormecer no colo da amada que me recebe e possui…

José Guilherme 22Mar2017

Memórias


Imagens, muitas imagens. Memórias, muitas memórias. Fotografias misturadas, momentos desfocados e alternados. Impressões marcadas nas imagens que se sucedem, nos pensamentos desordenados que fluem numa sequência tanto marcante quanto fugaz.
É bom ter memórias, é perturbador tê-las. É difícil quando se  misturam e perdem a cronologia.
Nas cores que se misturam estão incorporados sentimentos, estados de espírito, esquecimentos, falhas, pecados, conquistas, desafios, coragens.
As palavras fogem, os sentidos ficam difíceis de discernir, os sons atenuam-se, os olhos perturbam, um sentido de solidão enche o invólucro da célula envolvente.
Uma ideia, uma imagem... marcantes, começam e não terminam, sucedem-se em cadência, enchem e esvaziam, aquietam e perturbam.
Falta um botão que hiberne o pensamento e dê tempo de se resolver e tomar forma mais fácil.

  

30 de Março, José Guilherme

terça-feira, 21 de março de 2017


Estou aqui a olhar à volta. Estou aqui a pensar incessantemente. Estou aqui a desejar encontrar uma forma de abreviar o pensamento. Estou aqui a pensar, a pensar, a pensar…. Forma-se-me no pensamento um desejo de plenitude, uma continuidade de comunhão, de partilha.

Sinto no meu peito, no interior dos meus braços uma escassez, um desejo, uma ausência, um querer intenso, uma crescente imagem mental, uma imaginação, um cheiro virtual, um desejo perturbador de apertar nos meus braços a forma volumosa de outro corpo externo ao meu. Forma-se no meu rosto uma presença subtil que permuta calores e cumplicidades. Desejo, desejo, desejo… o cheiro quente e perfumado que se evapora da superfície macia… dá-me uma quase dor que se entrenha nas células da minha carne e desidrata os caminhos onde se deslocam os eletrões que transportam o sinal da vida, a energia determinada que se irradia da pele sossegada da minha paixão, do amor completo, o amor que se propaga num espaço contiguo ao meu onde o pensamento alcança, mas onde os dedos só alcançam quando o espaço encolhe e  se engelha ao meu redor.

Sinto falta de mim aqui tão perto que estou, sinto falta dos meus amores aqui tão dentro do meu peito mas tão ausentes da minha mão… quero agarrar, quero apertar, quero amaciar…


Escritos, José Guilherme, 21Mar2017