quarta-feira, 21 de junho de 2017

Apagar o lixo


Um monte de pastas, folhas acumuladas, espalhadas pelo chão, amontoadas sobre a mesa.

Os olhos saltam de uma pasta para a outra, procurando perceber onde começar.

Imagens distantes vão-se insinuando em frente dos olhos. Os documentos induzem memórias, momentos distintos confundidos, sobrepostos, disformes, tímidos, difíceis de perceber num primeiro instante.

Os olhos vagueiam hesitantes e um sentido de confusão vai conduzindo a uma visão, um filme sequencial que se projeta simultaneamente lento e rápido, numa forma tão clara quando turva.

É uma amalgama disforme, que amordaça, angustia, compromete.

Uma energia crescente acutila o desejo de esmagar, triturar, desfazer em pedaços.

Abre-se um saco grande, e agarra-se uma pasta, uma qualquer, a que está mais próxima. Abre-se e agarra-se um maço de folhas que se desfolham rapidamente e com uma convicção hesitante rasgam-se ao meio.

Rasgam-se ao meio e ao meio e ao meio, umas e mais outras, e depois novamente mais outras, e outras, e outras…

Faíscas apressadas saltitam entre as mãos, nos olhos, na memória. Uma certeza combina com uma dúvida. Mas as folhas vão-se transformando em pedaços de documentos rasgados. Amontoam-se no saco e vão-se transformando num lixo libertador.

A angustia vai-se tornando num conforto. As memórias vão-se libertando e vai sobrando novo espaço para novas memórias.

Uma sensação de libertação vai crescendo conforme os arquivos emagrecem e se transformam num lixo que pode ser deitado fora.

Não é fácil prescindir desses documentos pregados na história. Parece sempre que fazem falta, ou que vão ser precisos para alguma coisa importante. Arrastam-se, ocupam muito espaço, cultivam microrganismos e aprisionam a memória. Mantém-nos reféns duma continuidade absorvente, vigilante, limitadora.

É bom emagrecer e prescindir dessas toxinas que enchem o nosso corpo com limitações.


José Guilherme | 13.06.2017

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