Um monte de pastas, folhas acumuladas, espalhadas pelo chão,
amontoadas sobre a mesa.
Os olhos saltam de uma pasta para a outra, procurando
perceber onde começar.
Imagens distantes vão-se insinuando em frente dos olhos. Os
documentos induzem memórias, momentos distintos confundidos, sobrepostos,
disformes, tímidos, difíceis de perceber num primeiro instante.
Os olhos vagueiam hesitantes e um sentido de confusão vai conduzindo
a uma visão, um filme sequencial que se projeta simultaneamente lento e rápido,
numa forma tão clara quando turva.
É uma amalgama disforme, que amordaça, angustia, compromete.
Uma energia crescente acutila o desejo de esmagar, triturar,
desfazer em pedaços.
Abre-se um saco grande, e agarra-se uma pasta, uma qualquer,
a que está mais próxima. Abre-se e agarra-se um maço de folhas que se desfolham
rapidamente e com uma convicção hesitante rasgam-se ao meio.
Rasgam-se ao meio e ao meio e ao meio, umas e mais outras, e
depois novamente mais outras, e outras, e outras…
Faíscas apressadas saltitam entre as mãos, nos olhos, na
memória. Uma certeza combina com uma dúvida. Mas as folhas vão-se transformando
em pedaços de documentos rasgados. Amontoam-se no saco e vão-se transformando
num lixo libertador.
A angustia vai-se tornando num conforto. As memórias vão-se
libertando e vai sobrando novo espaço para novas memórias.
Uma sensação de libertação vai crescendo conforme os
arquivos emagrecem e se transformam num lixo que pode ser deitado fora.
Não é fácil prescindir desses documentos pregados na
história. Parece sempre que fazem falta, ou que vão ser precisos para alguma
coisa importante. Arrastam-se, ocupam muito espaço, cultivam microrganismos e
aprisionam a memória. Mantém-nos reféns duma continuidade absorvente,
vigilante, limitadora.
José Guilherme | 13.06.2017
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