sexta-feira, 30 de junho de 2017

Beijo



Fecho os olhos e revivo a energia intensa que percorre todo o corpo quando os lábios se encontram devagarinho. Pequenas faíscas propagam-se pela superfície da pele.

No caldeirão da memória misturam-se químicos inebriantes.

Os lábios tocam-se devagarinho, beliscam-se, esfregam-se, trincam-se, humedecem-se, colam-se, amordaçam-se, comprimem-se, e debatem-se numa luta frenética, acelerante, engrandecedora.

Quero beijar incessantemente, com ferocidade, mas também com ternura e veludo. 

Quero encostar, quero percentir, quero beber.

Quero saborear com a língua, apalpar os dentes, interagir e partilhar.

Quero imaginar a macieza, o sabor intenso.

Quero dar um beijo.

Quero receber um beijo.

Quero usufruir do beijo.

Quero oferecer o beijo.

Quero desfrutar, quero oferecer.

Quero aquietar o sentir, fechar os olhos, imaginar o sabor, o calor, o volume, e adormecer com o sorriso tranquilo de quem dá e recebe o primeiro beijo grande….


Guilherme | 29Jun2017

Desejo intenso



Um desejo intenso e perturbador expande-se no meu interior. Uma sensação inquietante corre entre a fronteira palpável do consciente e o nevoeiro camuflante do inconsciente.

As pálpebras obscurecem momentaneamente a certeza do visível, invadindo a câmera interior com um crepitar de chama que lambe as paredes delimitadoras da arquitetura interna.

A mão fica tensa, contraída. Os dedos como que agarram uma imagem que se forma no pensamento. Os músculos contraem e apertam.

O desejo incerto, mas feroz, acutila o sentido do envolvente. O desejo rasga o sentir do corpo. A fronteira entre a consciência do interior e a presença do exterior.

O desejo desatina e doí.

O desejo morde com obstinação.

O desejo quer.

O desejo persiste e insiste.

Eu quero o desejo, eu desejo o desejo, eu angustio e sinto a falta desse desejo que às vezes não mais é desejo.

Oh desejo desejável não me deixes nesta ausência do desejo que já estou farto de desejar.
Tanto desejo, tanta ferocidade, e no fim uma angústia pela felicidade que o desejo dá.

Desejo meu deixa-me partilhar-te com aqueles que tanto desejo.

Fico extenuado de tanto desejar e tanto conter o ímpeto da partilha desse desejo intenso.

Quero desejar tanto que tanto transborde esse desejo que tanto se torne desejado esse meu desejo.

Guilherme 29Jun2017


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Apagar o lixo


Um monte de pastas, folhas acumuladas, espalhadas pelo chão, amontoadas sobre a mesa.

Os olhos saltam de uma pasta para a outra, procurando perceber onde começar.

Imagens distantes vão-se insinuando em frente dos olhos. Os documentos induzem memórias, momentos distintos confundidos, sobrepostos, disformes, tímidos, difíceis de perceber num primeiro instante.

Os olhos vagueiam hesitantes e um sentido de confusão vai conduzindo a uma visão, um filme sequencial que se projeta simultaneamente lento e rápido, numa forma tão clara quando turva.

É uma amalgama disforme, que amordaça, angustia, compromete.

Uma energia crescente acutila o desejo de esmagar, triturar, desfazer em pedaços.

Abre-se um saco grande, e agarra-se uma pasta, uma qualquer, a que está mais próxima. Abre-se e agarra-se um maço de folhas que se desfolham rapidamente e com uma convicção hesitante rasgam-se ao meio.

Rasgam-se ao meio e ao meio e ao meio, umas e mais outras, e depois novamente mais outras, e outras, e outras…

Faíscas apressadas saltitam entre as mãos, nos olhos, na memória. Uma certeza combina com uma dúvida. Mas as folhas vão-se transformando em pedaços de documentos rasgados. Amontoam-se no saco e vão-se transformando num lixo libertador.

A angustia vai-se tornando num conforto. As memórias vão-se libertando e vai sobrando novo espaço para novas memórias.

Uma sensação de libertação vai crescendo conforme os arquivos emagrecem e se transformam num lixo que pode ser deitado fora.

Não é fácil prescindir desses documentos pregados na história. Parece sempre que fazem falta, ou que vão ser precisos para alguma coisa importante. Arrastam-se, ocupam muito espaço, cultivam microrganismos e aprisionam a memória. Mantém-nos reféns duma continuidade absorvente, vigilante, limitadora.

É bom emagrecer e prescindir dessas toxinas que enchem o nosso corpo com limitações.


José Guilherme | 13.06.2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Sexo


Quero fazer amor, quero fazer sexo, quero sentir a paixão intensa, quero usufruir da empolgante magia das hormonas agitadas, o êxtase extrovertido da faísca que saltita na superfície crispada da epiderme.

Sinto o sabor perfumado dos lábios que se digladiam, das línguas que se retorcem.

As mãos deambulam e fazem pressão aqui e ali. Os cabelos esvoaçam, e acariciam.

A língua escorrega e lambe loucamente toda a pele desnuda que se atravessa.

Os peitos tenrinhos conquistam-se milimetricamente, terminados nos bicos duros que se sugam obsessivamente em busca da memória primeira, das gotas alimentícias que nascem frugais.

As mãos apertam a cintura firme e desçam pelas ancas abastadas, apalpando as nádegas carnudas, fartas, quentes, sôfregas de dentadinhas lentas e insistentes.

A língua como que despercebida, vai por aqui, vai por ali, desce mais à frente, retrocede mais um pouco, passa à esquerda, desvia-se para a direita, aproxima-se, detém-se, observa, eleva-se, mergulha, espalma-se, e lambe, lambe com prazer intenso e orgulhoso.

O corpo estremece e intensifica-se, sofrendo espasmos elétricos que se propagam e dilatam.

Os lábios, húmidos, dilatados, abrem-se e anseiam.

Os corpos ajustam-se, agarram-se, debatem-se e penetram-se.

Uma onda intensa, obsessiva, poderosa, bombeia e deflagra, lubrificando, aquecendo, enlouquecendo instantaneamente. Os corpos unidos num só, sentem uma eternidade fugidia, ficam estáticos, intensos, humildes, numa meditação eterna.


A solidez da força, da contração, da confiança, do amor próprio engrandecido, acalma e mergulha numa plenitude, numa serenidade que se propaga e pinta o arco-íris com as cores duma visão suavizada e eterna.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Fogo de artifício


Tenho intenso desejo de entrar e sentir a explosão em mil raios luminosos, a projeção da energia contida. Tenho saudades de planar pelas montanhas voluptuosas. Caminhar pelas bordas da nascente. Beber o néctar que brota da fonte onde a vida se torna cheia de sentido e de felicidade. Tenho saudades e um desejo quase doloroso de sentir nos meus dedos, nos meus lábios, nos meus dentes, os botões viçosos da fonte da vida.

Estou sozinho e longe da fonte, por isso apenas sozinho posso expandir-me, mas quando sozinho não estou, a fonte mantem-se absorvida e imperturbável, concentrada na evolução da espécie, nos afazeres muitos, nas exigências das tarefas cansativas e comprometedoras da presença.

Sinto o tormento da história, sou assombrado pelas noites compridas, pela solidão do silêncio, pela incógnita do significado, pela busca da compreensão. Os pontos de referência tornam-se movediços e os modelos seguros ficam desfocados.

O projeto do futuro feito no passado está comprometido no presente. A paixão e o prazer das tarefas do trabalho ficam expostas a sentidos adulterados cujo significado se perde em momentos de tédio, de desilusão, e até de tristeza e frustração.

Onde estou, para onde vou, para onde quero ir?!... Um silêncio desagradável, arrastado e corrosivo vai-se sucedendo num impasse sem final visível.

Procurar, procurar, procurar… encontrar aqui e ali indícios, uns fáceis, outros subtis, outros encriptados, outros difíceis, alguns muito difíceis!


Preciso de uma festa… de um carinho. Fecho os olhos e sinto uma imaginação a passar-me entre os cabelos, a roçar as minhas orelhas, a pressionar a minha nuca. Sinto um sorriso a acariciar-me o rosto, um sussurrar nos meus lábios, uma humidade deslizante a deslocar-se pelo meu peito, a mordiscar o meu botão. Sinto um sobrevoar subtil a tatear o meu sentido adormecido. Sinto um ímpeto crescente a avolumar e tornar poderoso o homem que sou. Quero explodir, quero ficar tranquilo, com um sorriso no rosto a adormecer no colo da amada que me recebe e possui…

José Guilherme 22Mar2017

Memórias


Imagens, muitas imagens. Memórias, muitas memórias. Fotografias misturadas, momentos desfocados e alternados. Impressões marcadas nas imagens que se sucedem, nos pensamentos desordenados que fluem numa sequência tanto marcante quanto fugaz.
É bom ter memórias, é perturbador tê-las. É difícil quando se  misturam e perdem a cronologia.
Nas cores que se misturam estão incorporados sentimentos, estados de espírito, esquecimentos, falhas, pecados, conquistas, desafios, coragens.
As palavras fogem, os sentidos ficam difíceis de discernir, os sons atenuam-se, os olhos perturbam, um sentido de solidão enche o invólucro da célula envolvente.
Uma ideia, uma imagem... marcantes, começam e não terminam, sucedem-se em cadência, enchem e esvaziam, aquietam e perturbam.
Falta um botão que hiberne o pensamento e dê tempo de se resolver e tomar forma mais fácil.

  

30 de Março, José Guilherme